Historia em resumo

A mais séria paródia que jamais ouvi foi esta:"No começo era o absurdo, e o absurdo era, por Deus!, e Deus (divino) era o absurdo." Friedrich Nietzsche

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Caso não fique satisfeito, aceitamos devolução.

Êxodo 21, 7:11

"Se alguém vender a filha como escrava, esta não sairá como saem os escravos. Se ela desagradar ao patrão, a quem estava destinada, este deixará que resgatem; não poderá vendê-la a estrangeiros, usando de fraude para com ela. Se o patrão destinar a escrava para seu filho, este a tratará conforme o direito das filhas. Se o patrão tomar uma nova mulher, ele não privará a primeira de comida, roupa e direitos conjugais. Se ele não lhe dar essas três coisas, ela pode ir embora sem pagar nada." 

Comentário: Mais uma vez devemos começar nos perguntando: É isso mesmo? Posso vender minha filha? Segundo a Bíblia sagrada, sim. Contando é claro que o comprador, ao presentear um filho com a escrava, lembre-se de trata-la como uma de suas filhas. Caso o produto seja destinado ao consumo próprio, ele deverá alimenta-la, vesti-la e de vez em quando come-la. O que ? Não entendeu. Direitos conjugais é exatamente isso. Sexo. Não importa se o patrão tem dez esposas, deverá tomar a todas de maneira regular. E se por um acaso, ele não cumprir com qualquer de suas obrigações, ela poderá regressar a casa dos pais sem nada precisar pagar. Tornando-se não só escrava rejeitada, como um membro impuro (não virgem) condenado a vagar as margens daquela sociedade. Correndo assim um sério risco de terminar seus dias apedrejada, ou na melhor das hipóteses, como prostituta.

Murphy, de Samuel Beckett: Uma resenha.

Publicado originalmente em 1938, só agora, com a tradução de Fábio de Souza Andrade e publicação da Cosac Naify, nos é permitido uma leitura em português desse que é o romance inaugural de Samuel Beckett, um dos maiores escritores do século XX. O que o coloca ao lado de nomes como William Shakespeare e James Joyce. Murphy, o primeiro livro escrito pelo autor, não pode deixar de ser considerado um estar entre, pois de certa maneira, Beckett ainda nos permite perceber traços de uma tradição literária, com a qual romperia, logo em seguida, ao compor a famosa trilogia Molloy, Malone morre e o inominável.
O  romance se inicia com uma certa profecia do que estaria por vir: “O sol brilhava, sem alternativa, sobre o nada de novo” (BECKETT, 2013, p. 5). O que podemos entender, como uma demonstração de indiferença. Uma história onde todos os personagens, se encontram interligados em um tipo de corrente existencial, que se projeta na existência do outro, que por sua vez se projeta a outro e assim por diante, adiante. Sem a devida reciprocidade. À margem de uma Londres de outros tempos, onde todos vivem sem muito significado, todos menos Murphy. Ele segue o caminho oposto. Trata-se de um personagem controverso. Que assim como Ulisses, segue errante, porém, por caminhos não pretendidos e despretensiosos em direção ao incerto.
Nesse sentido, Célia, a noiva prostituta e os outros personagens, perpassam a narrativa como sombras que seguem os rastros deixados pelo protagonista no decorrer da trama. Tornando essa busca, uma razão para continuar. Mas “de que serve a luz a um homem cujo o caminho se esconde? (BECKETT, 2013, p. 39), questionaria o professor Neary, em uma determinada passagem do livro. Antecipando, de certa forma, a função que Murphy desempenharia no romance. Guiar os outros personagens por esses caminhos não revelados.
Este espécime de marginal apático, que configura a descrição de nosso anti-herói, não se comove com o mundo a sua volta. Na verdade, interagir torna-se uma tarefa árdua, executada somente quando inevitável. O existir para ele, não é uma luta diária, que por meio do trabalho, perpetuamos. Murphy pensa a existência como uma condição, cuja luta, tiraria toda razão de ser. “Morrer lutando era a perfeita antítese de toda a sua prática, fé e intenção.”(BECKETT, 2013, p. 33).
Nessa busca pela razão do seu existir, Murphy abandona todos a sua volta e deixa-se afundar em um abismo introspectivo do qual dificilmente sairia. Nesse meio tempo, decide vagar pelas ruas da capital inglesa, onde por meio de encontros e desencontros, depara-se com Tincklepenny, um funcionário atordoado pelo ambiente da Mansão Madalena de Misericórdia Mental, o hospital psiquiátrico, onde não suportava mais trabalhar. E é justamente neste novo contexto, que Murphy começa a refletir sobre questões, que até então, não compreendia.
O primeiro estranhamento, resultado deste encontro, é a disposição que o protagonista tem em assumir a posição de Tincklepenny no sanatório. Apesar de Murphy dizer se tratar de um favor que estaria prestando ao amigo, logo nos é revelado que na verdade, ele via naquele ambiente, uma oportunidade de interagir com a natureza da realidade exterior de forma mais pura. Pois naquele mundo a parte que configura o sanatório, os pacientes estavam livres para desfrutar, mesmo que de forma confusa, desse raro privilégio.
E assim, voluntariamente, Murphy buscando retirar-se para seu espírito, adentra o labirinto intransponível do caos que, segundo o narrador da história, etimologicamente se confunde com gás, que por sua vez, seria capaz de fazê-lo “bocejar, rir, chorar, aquecer, deixar de sofrer, viver um pouco mais, morrer um pouco mais cedo”(BECKETT, 2013, p. 137)  
Neste ponto do romance, Samuel Beckett deixa transparecer dois importantes problemas para a filosofia. Provavelmente em consequência das leituras a que o autor se dedicava no momento da composição da obra. O primeiro, relacionado a compreensão da relidade. Ou melhor, a não compreensão de uma realidade pura. Dada a variação condicionada à sensibilidade daquele que a define. Pois, “homens, mulheres e crianças da ciência tinham modos tão variados de prostar diante dos fatos quanto qualquer grupo de iluminados”(BECKETT, 2013, p.138)  Em um segundo momento, quando define as razões do tratamento ao qual os pacientes estavam subjulgados, ele parece estar refletindo sobre o ser da ciência, responsável pela tarefa de estabelecer caminhos que nos permitam transitar de maneira razoável e equilibrada, sobre o abismo caótico que compõe essa realidade exterior.
E é justamente, na busca por um contato imediato com essa natureza da realidade exterior que Murphy, nosso protagonista se perde. Na triste percepção do inglório a que todos estamos condicionados a ser. “Uma partícula ínfima no não visto” (BECKETT, 2013, p. 196).


                                               Ulisses Maciel

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O pecado que Deus não viu.

Gênesis 19, 31:38

"A mais velha disse à mais nova: 'Nosso pai já está velho e na terra não há nenhum homem para ter relação conosco, como se faz em todo lugar. Vamos embriagar nosso pai para ter relação com ele; assim daremos uma descendência ao nosso pai'. Nessa noite, elas embriagaram o pai e a mais velha deitou-se com ele, que não percebeu nem quando ela se deitou, nem quando se levantou. No dia seguinte, a mais velha disse para mais nova: 'Na noite passada eu dormi com meu pai; esta noite, nós o embriagaremos de novo, e você se deitará com ele; assim daremos uma descendência ao nosso pai'. Também nessa noite, elas embriagaram o pai, e a mais nova deitou-se com ele, que não percebeu nem quando ela se deitou, nem quando se levantou. E as duas filhas de Ló ficaram grávidas do próprio pai. A mais velha deu a luz à um filho, e o chamou Moab, que é o antepassado dos (atuais) moabitas. Também a mais nova deu á luz um filho, e o chamou Ben-Ami, que é o antepassado (dos atuais) amonitas."

Comentário: Esta é uma passagem bíblica que me chama muito a atenção, por não ser abordada com frequência. Afinal, vai de encontro ao comportamento moral, aceito pelos preceitos culturais da atualidade. A ciência enfatiza os riscos consequentes de um possível cruzamento genético parental. E nossa sociedade, mesmo sendo cristã, ignora completamente essa passagem e abomina qualquer relação sexual entre parentes consanguíneos, em especial, entre pais e filhos ou irmãos. O que põe em xeque o mais fundamental preceito bíblico, o da inquestionabilidade. Durante séculos, adeptos das sagradas escrituras, impuseram a uma grande massa ignorante, as mais absurdas idéias, com o simples propósito de dominação. E assim, no que toca a questão do incesto cometido entre o personagem bíblico Ló e suas filhas, demonstramos, que as vezes, mesmo acreditando-se cegamente em algo, uma reação instinto-repulsiva, sobrepõe a credulidade insana.

Ulisses Maciel

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Seria a arca a maior embarcação já construída?

Gênesis 6, 19

"Tome um casal de cada ser vivo, isto é, macho e fêmea, e coloque-os na arca, para que conservem a vida juntamente com você."

Comentário: Com base em um relatório divulgado pela revista científica PLoS Biology, o mundo possuiria cerca de 8,7 milhões de espécies. Dentre elas a grande maioria de animais, seguidas de plantas, fungos e protozoários. Portanto, tomo a liberdade de considerar bastante improvável o armazenamento de um número tão abrangente de espécies, mesmo em uma embarcação moderna. Lembrando, que se levarmos em consideração o par, estamos falando de mais de 17 milhões de espécimes. Em uma arca com cento cinquenta metros de comprimento, construída por um único homem, cerca de 5.000 anos atrás.

Ulisses Maciel

A onisciência de deus.

Gênesis 6, 6 

"Então Javé se arrependeu de ter feito o homem sobre a terra, e seu coração ficou magoado." 

Comentário: Para entendermos o ponto que busco abordar nessa breve nota, é necessário que entendamos o conceito de onisciência e arrependimento. O primeiro, de acordo com o dicionário da academia brasileira de letras, qualifica aquele que tudo sabe, que conhece tudo. Já o segundo faz referencia ao sentimento de pesar por algo realizado equivocadamente no passado. Então cabe-nos a seguinte pergunta: Qual a possibilidade de um ser onisciente arrepender-se? Sendo que essencialmente todo o arrependimento segue um ato falho, ou seja, um erro. Seria possível um ser que tudo sabe deparar-se com um desconhecido capaz de provocar-lhe o arrependimento? 

Ulisses Maciel

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Entre o paraíso e o nada.

Gênesis 3-16:19

"Javé Deus disse então para a mulher: 'Vou fazê-la sofrer muito em sua gravidez: entre dores, você dará a luz seus filhos; a paixão vai arrastar você para o marido, e ele a dominará'.
Javé Deus disse para o homem: 'Já que você deu ouvidos à sua mulher e comeu da árvore cujo o fruto eu lhe tinha proibido comer, maldita seja a terra por sua causa, Enquanto você viver, você dela se alimentará com fadiga. A terra produzirá para você espinhos e ervas daninhas, e você comerá a erva dos campos. Você comerá seu pão com o suor do seu rosto, até que volte para terra, pois dela foi tirado. Você é pó, e ao pó voltará.'"


                               
Comentário: Como não poderia ser diferente, nos deparamos com uma nova alegoria, desta vez, buscando explicar não só a finitude existencial humana, como também a condição social em que se encontravam os prováveis leitores dos escritos sagrados. Como indivíduo consciente, nada mais natural ao homem do que o conhecimento do próprio ser como algo temporal, ou seja, a consciência da própria morte. O que nos levou, de certa forma, à criação de justificativas absurdas ligada à possibilidade de uma vida para além da existência. O que acredito ser a ilusão mais difundida na história da humanidade. Existem varias formas de existir, porém, nenhuma delas é eterna. O que ocorre é uma dificuldade natural em aceitar o nada que nos tornamos ao morrer. 
Em um segundo plano, com uma alta carga de intimidação, o autor do texto reitera o papel de subserviência que a mulher ocuparia naquela sociedade. Justificando assim, com base na "sagrada escritura", um carácter lamentável que ainda se mantém forte nos dias de hoje. Não diferente da mulher, ao homem também é imposto um perfil de trabalhador que há muito já existia. Sob o argumento que tratava a condição sofrida da maior parte da população como resultado de um castigo divino, as elites políticas e religiosas da época, mesmo em menor número, controlavam facilmente as pessoas menos privilegiadas, que aceitavam a exploração como um fardo a ser carregado em vida e recompensada no paraíso.     

 Ulisses Maciel

E surge o homem consciente.

A partir deste post, o blog será dedicado, por um determinado tempo, a trechos da "Sagrada escritura" que não obtiveram, ao meu ver, uma interpretação satisfatória. Então para começar segue a seguinte passagem.

Gênesis 3:3-6

"Deus disse: 'Vocês não comerão dele (do fruto), nem o tocarão, do contrário vocês vão morrer'. Então a serpente disse para a mulher: 'De modo nenhum vocês morrerão. Mas Deus sabe que, no dia em que vocês comerem o fruto, os olhos de vocês vão se abrir, e vocês se tornarão como deuses, conhecedores do bem e do mal'.
Então a mulher viu que a árvore tentava o apetite, era uma delicia para os olhos e desejável para adquirir discernimento. Pegou o fruto e o comeu. Então abriram-se os olhos dos dois e perceberam que estavam nus." 



Comentário: Durante algum tempo, acreditava-se na veracidade incontestável da Bíblia, ainda hoje, existem vertentes religiosas que defendem a "Palavra" como um pronunciamento direto de Deus ao homem, porém se prestarmos um pouco mais de atenção, veremos que esta passagem, nada mais é do que uma alegoria que busca explicar o surgimento do homem como conhecedor de sua existência.
O nosso entendimento não é capaz de retornar ao momento exato de transição do estado inconsciente para o estado em que nos encontramos hoje. A maçã, como acreditam alguns, seria a fronteira simbólica entre estes dois estados de consciência. E a inquestionabilidade imposta aos leitores da sagrada escritura, dificultou de certa maneira, uma compreensão mais racional e lógica, não só da passagem em questão, como de todos os livros e leis que compõem a sagrada escritura.  

Ulisses Maciel